As trabalhadoras aprenderam
o valor da unidade e da organização

Férias forçadas<br>com salários em atraso

Vladimiro Vale (Membro da Comissão Política)

A Santix é uma empresa têxtil do concelho de Coimbra que existe desde 1900. Nos últimos anos, dentro das suas instalações trabalham operárias de duas empresas – a Santix e a Insieme. A constituição da Insieme tem contornos pouco claros. Foi formada com o acordo da proprietária da Santix, pelo contabilista e outro sócio.

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O objectivo inicial parece ter sido poder beneficiar de apoios do Estado e europeus, a que a Santix não teria acesso devido às dívidas à Segurança Social, mas também serviria como forma de pressão sobre os trabalhadores no sentido da baixa de salários e de direitos.

A administração da Insieme afixou um papel a 22 de Abril transmitindo que as trabalhadoras das duas empresas entravam de férias, sem pagar o salário referente a Março e com o mês de Abril a chegar ao fim. As operárias têxteis, confrontadas com as férias forçadas, concentraram-se à porta da empresa em luta pelo pagamento dos salários e subsídios em atraso. A situação não é nova, as trabalhadoras da Santix têm atrasos nos pagamentos dos salários e subsídios desde 2012. A empresa comprometeu-se com um plano de pagamento faseado de 50 euros mensais que não cumpre há dois meses. Este compromisso apenas terminaria em 2017. Em dívida está também parte do subsídio de 2014.

A proprietária da Santix terá transmitido às chefes de linha que estaria tudo assegurado com os administradores da Insieme e que estes passariam a ser os responsáveis pela gestão, tendo abandonado a empresa sem dar uma explicação directa a todos os trabalhadores. Se já antes havia uma grande incerteza sobre o futuro da empresa, a situação complicou-se ainda mais com a alteração da gestão, percebendo-se que começava a haver desentendimento entre a anterior e a actual gestão.

A empresa de calçado Karapi, situada no concelho de Montemor-o-Velho, é detida maioritariamente por uma sociedade francesa – a PEDI – que era também o seu principal cliente e que entrou num processo de insolvência. A PEDI terá sido comprada por um grupo que não terá interesse em continuar a laboração em Portugal.

Trata-se de uma empresa cuja laboração se iniciou há mais de 30 anos. A Karapi tem cerca de 100 trabalhadores e apesar de ter a situação salarial regularizada, terá dívidas à Segurança Social e ao fisco. A maior parte das trabalhadoras trabalham ali desde o início e têm hoje idades entre os 40 e os 60 anos, num concelho com graves problemas de desemprego, de baixos rendimentos e uma situação social especialmente fragilizada. As trabalhadoras viram confirmados os receios que a administração aproveitasse o tradicional período de férias em Abril para encerrar definitivamente a empresa.

PCP sempre junto dos trabalhadores

Nestes corajosos processos de luta, as trabalhadoras destas empresas contaram com a solidariedade activa das organizações do PCP e dos eleitos locais da CDU desde o início, nas longas horas que passaram à porta das empresas, nas iniciativas tomadas nos órgãos autárquicos, na AR e no PE, nas tomadas de posição que ajudaram a dar a visibilidade necessária nesta fase, sempre apelando à unidade e à organização na defesa dos postos de trabalho.

As trabalhadoras destas empresas aprenderam o valor da unidade e da organização e conseguiram melhorar a sua capacidade de organização. Na Santix elegeram uma comissão de luta e indigitaram um delegado sindical para as representar nas negociações com as entidades patronais, reivindicando o pagamento do salário de Março, como condição para iniciar o trabalho. Garantia de pagamento do mês de Abril brevemente. Calendarização do pagamento da dívida aos trabalhadores. Clarificação da situação da empresa de forma a garantir os postos de trabalho com estabilidade e a honrar os compromissos com os trabalhadores.

Estes recentes exemplos, em duas empresas do sector do calçado e têxtil no distrito de Coimbra, vieram relembrar que a fragilidade das empresas deste sector advém também da má gestão, da descapitalização das empresas e má utilização dos apoios comunitários e do Estado.

É também claro que as políticas de direita dos sucessivos governos tiveram um papel decisivo para a destruição postos de trabalho e de empresas dos sectores do têxtil e do calçado. A falta de medidas, ao nível nacional e da UE, para minimizar as consequências da liberalização do comércio, a falta de iniciativa dos governos para o accionamento das cláusulas de salvaguarda, propostas pelo PCP, a não tomada de medidas para defender o mercado nacional, os elevados custos dos factores de produção (energia, telecomunicações, transportes...) contribuíram decisivamente para a vulnerabilidade destes importantes sectores.

Daí a necessidade de uma alternativa política patriótica e de esquerda que defenda e garanta a soberania nacional face às imposições da União Europeia e outros constrangimentos externos, que assuma a renegociação da dívida pública, assegure o controlo público da banca, prepare o País para a libertação da submissão ao euro, valorize o trabalho e os direitos dos trabalhadores, aumente salários, reformas e outros rendimentos dos trabalhadores e do povo, tribute de forma firme e adequada o grande capital e combata a evasão e fraude fiscal, relance o investimento público, centrado na defesa e estímulo da produção nacional.

 



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